BlogBlogs.Com.Br Confraria Ekklesial

Blogger Template by Blogcrowds

Google
 

Teatro Cristão. Onde???

Acho que eu posso afirmar que todos nós, de alguma forma, nos relacionamos diariamente com a arte, seja ouvindo uma música no carro naquele trânsito caótico, ou andando a pé quando passamos em frente a uma escultura numa praça... eu que trabalho em plena Praça da Sé posso dizer que é imensa a quantidade de obras de artes plásticas em locais públicos, e que muitas vezes não damos a mínima atenção.
Mas a gente pode também se encontrar com a arte de maneira mais formal, indo a um espetáculo de dança, uma exposição de pintura, um concerto ou show musical... O que eu quero dizer é que a arte faz parte do nosso dia-a-dia e eu não acho que isso acontece por acaso.

A arte, como resultado de uma expressão genuína da criatividade, da imaginação, ou como disse Leonardo da Vinci que: “a arte é coisa da mente” – essa expressão existe desde o início do mundo. Para citar apenas um exemplo, podemos lembrar que os escritos mais antigos da Bíblia estão repletos de poesia hebraica.

No meu entender, já que o homem herdou a semelhança de Deus, herdou também Sua criatividade e por isso se expressa de forma criativa e com arte. O prazer pela beleza está tanto no homem quanto em Deus. Em Gênesis 1:31 diz o seguinte: “Deus contemplou toda a sua obra, e viu que tudo era muito bom”. [Bíblia Ave Maria]

Daí eu tiro nossa 1ª idéia: o homem está inseparavelmente ligado às artes.

Schopenhauer, mesmo sendo um filósofo dos mais pessimista, elevou a arte a uma categoria suprema e reconheceu que a contemplação é uma forma de neutralizar o sofrimento existencial. E então... será que alguém arrisca dizer que isso não tem nada a ver com a história de Davi tocando harpa prá Saul se sentir melhor?
Vou repetir: Schopenhauer, falando sobre a arte, reconheceu que a contemplação é uma forma de neutralizar o sofrimento existencial.

Está bem, mas e o teatro? Onde entra nessa história?
O tema do encontro de hoje é: “Teatro cristão. Ficção ou realidade.”
Honestamente, o que eu posso dizer é que eu não vi o teatro cristão. Confesso que nem sei se ele existe mesmo. Mas, se ele realmente existisse e cruzasse comigo por aí, acho que passaria por ele sem o reconhecer.

Mas vamos pensar por enquanto no surgimento do teatro.
Na definição clássica, a hipótese mais aceita é a de que o teatro nasceu nos cultos a Dionísio (que é o deus grego do vinho e da fertilidade, das fontes da vida e do sexo).
Isso aconteceu na Grécia, por volta do século IV a.c.
A cada safra da uva eram feitas festas, por meio de procissões, de agradecimento a Dionísio e com o passar do tempo, estas procissões foram ficando tão elaboradas que passaram a contar com dirigentes de coro, que organizavam os atos e as representações da procissão, além de narradores e atores que eram aqueles que se destacavam na massa de gente que participava.

Bem, eu não sou historiador, e nem vocês, imagino, gostariam de detalhar demais a história do teatro nesse pouco tempo que temos, mas só acho legal lembrar de algumas coisas... Vejam só:

1º) O teatro nasceu de um ritual de culto a um deus;

2º) Até por volta do ano 1000 D.C. a igreja católica proibia o teatro e ameaçava os atores com o fogo do inferno, mas depois de algum tempo passou a utilizá-lo como celebração religiosa ou ferramenta para o ensino. Até na época da colonização do Brasil isso aconteceu por aqui, quando o teatro foi usado pelos missionários jesuítas para catequizar os índios. Há registro de que o Padre Manuel da Nóbrega encomendou autos ao Padre José de Anchieta, e estes autos eram, na verdade, peças de circunstância, que ele adaptou a partir do esquema de teatro medieval que ele conhecia na Europa.

Por muito tempo, a atividade teatral ficou centrada na questão religiosa.

E as parábolas que Jesus contou?

A parábola foi um gênero largamente usado por Jesus, e é caracterizada por uma narração figurativa ou simbólica que, por comparação, apresenta uma razão moral.
A gente até poderia imaginar que se os discípulos levassem um pouquinho mais de jeito, Jesus os colocaria prá encenar as parábolas...mas, na verdade, Jesus já estava praticando a contação de histórias, que é uma coisa supervalorizada hoje, depois de algum tempo esquecido.

E hoje, qual é a nossa realidade? Como as igrejas têm encarado o teatro, tanto aquele que é feito dentro da igreja como, por exemplo, aquela situação em que um cristão torna-se ator? Ou ainda, um ator que se converte e vai parar numa igreja? O que a gente tem visto dessas situações?

Eu penso que o teatro ainda é usado na igreja apenas como complemento ou apoio à pregação, seja prá ilustrar passagens bíblicas, seja num culto ou evento dito evangelístico, onde se encena aquela peça do cara mau e drogado que se converte e que instantaneamente quase se transforma num anjo. Sem falar naquela famosa peça de natal encenada no culto especial no fim do ano.

Eu não vou dizer que seria errado montar um grupo de teatro na igreja com essas finalidades, mas eu acho no mínimo que é pouco. É ficar longe da sua potencialidade.

Mas por que estou dizendo isso? O que eu acho estranho é considerarmos que a nossa vida, mesmo a vida do cristão, se resume exclusivamente à redenção e que apenas temas em torno disso seriam adequados ao cristão.

Eu penso que a chamada arte cristã tem sido considerada irrelevante, dentre outros motivos, pelo fato de muitos cristãos acreditarem ser desnecessário se preocupar com as ansiedades contemporâneas. Isso seria a secularização. Afinal, Deus já não cuidou de tudo?

Desse jeito, antiquada e irrelevante, a arte criada por cristãos costuma estar desconectada da realidade das pessoas, ficando restrita aos meios da subcultura cristã, já que é especialista apenas no porvir, tendendo ignorar a experiência de existir no tempo em que Deus nos deu aqui na Terra.

Só que qualquer trabalho teatral que busque sinceridade e reflexão sobre a vida vai ter que lidar necessariamente com a imperfeição humana.

Ao contrário de um sermão convencional, que pode, por exemplo, ser apresentado como uma exortação, um desafio pessoal ou um ensinamento, o teatro tem a chance de provocar a reflexão ou uma reavaliação, a partir da auto-crítica, do absurdo, da ambigüidade, do riso de si mesmo, do drama, mas sempre a partir da exposição de um conflito.

A ação dramática é a exposição de conflitos e o conflito é a relação dramática essencial nas artes e em especial no teatro.

É muito bem possível encenar uma peça em que se apresente valores do Reino de Deus como a liberdade, o perdão, a justiça, e isso ser feito a partir da exposição de conflitos que toda pessoa comum passa. Isso vai dar mais autenticidade ao espetáculo.

E falando em autenticidade, podemos pensar numa outra coisa: como fica a questão da habilidade técnica? A expressão artística depende da habilidade técnica? Isso é mesmo imprescindível?

Vejam, não existe uma definição unânime para o que seja a arte, apesar de se tentar isso há séculos. Porém há uma concordância de que, seja lá o que for a arte, ela é expressa esteticamente por meio de uma técnica.

Então o que eu posso deduzir disso? A arte é coisa da mente, mas só passa a existir se for expressa por uma técnica, ou seja, é aquela habilidade de escrever, de pintar, de dançar ou de encenar, por exemplo. E essa técnica é então fixada num suporte.

Quando um compositor grava um CD, lá está a sua arte fixada num suporte tangível, material, que é o CD. O mesmo acontece com uma escultura, ela estando ou não exposta ao público, continua existindo.

Mas e o teatro? Em qual suporte o teatro é fixado?

Uma característica peculiar do teatro é que ele é uma expressão artística fixada num suporte INTANGÍVEL, por isso, até é chamado de arte auto-destrutiva, porque ele existe apenas na duração do espetáculo.

Sobre isso , o diretor de teatro Peter Brook disse uma frase interessante:
“O teatro é uma arte sempre escrita no vento”

Prá encerrar, eu quero deixar a seguinte idéia:

A arte não precisa de justificativa para existir, mas quando estamos diante dela, ela sempre nos exige alguma resposta.

Esta característica da arte deveria nos ajudar a transmitir nossa visão de mundo cristã às pessoas de maneira mais autêntica e criativa, até mesmo porque, como escreveu Steve Turner no livro “Cristianismo Criativo?”:

“A arte tem a tendência de mostrar ao invés de dizer”.

Obrigado.
ψ

Carlos Eduardo Pereira
I Fórum Nacional de Cristianismo Criativo
19/11/2007

Postagem mais recente Postagem mais antiga Página inicial